RESENHA: Os Sacramentos da vida e a vida dos sacramentos
BOFF, Leonardo. Os Sacramentos da vida e a vida dos sacramentos. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.
O livro Os Sacramentos da Vida e a Vida dos
Sacramentos, de Leonardo
Boff, é dividido em quatorze capítulos, e já em sua introdução deixa claro que
tem como objetivo ajudar aos leitores a se despertarem à dimensão sacramental
adormecida ou profanizada em nossa vida. E assim, despertados é que se pode
celebrar a presença misteriosa e concreta da graça que habita nosso mundo.
Através de pequenas histórias procura levar os leitores a entenderem os
sacramentos da vida para que possam entrar na Vida dos Sacramentos. Durante
pesquisa foi possível encontrar que o autor de tal livro o escreveu para
apresentar a sua mãe de maneira bem simples o conteúdo de sua defesa de
doutorar, que ao entregar a leu do anoitecer de um dia ao amanhecer do outro.
No primeiro capítulo, A porta de entrada do Edifício Sacramental,
o autor afirma que o homem que está no mundo é um ser capaz de ler e
interpretar a mensagem inscrita nas coisas do mundo (sistema de signos). Para
que o homem possa decifrar e descrever esta mensagem é necessário que tenha os
olhos abertos, um espírito que possa ver além de qualquer paisagem e alcançar
para além de qualquer horizonte. Destaca o autor, o homem moderno se faz de
cego a certo tipo de símbolos e ritos. E isto não é culpa do homem moderno, mas
sim dos ritos. Pois, os ritos atuais pouco falam por si mesmo, precisam ser
explicados e assim perde a sua essência, sinal que precisa ser explicado não é
sinal. O que deve-se explicar é o mistério contido no sinal. Assim sendo, para
o Boff, a linguagem do sacramento, a qual nunca é apenas descritiva. É
principalmente evocativa, pois narra um fato, conta um milagre, descreve uma
revelação divina para evocar no homem o comportamento de Deus. Essa linguagem é
performativa, isto é, leva a modificar a práxis humana. Induz à conversão.
No segundo capítulo, O Sacramento da Caneca, Leonardo Boff
narra uma história de uma caneca de alumínio que a família carrega desde muito
tempo – da roça à cidade, dos nascimentos às mortes para dizer que a Igreja
tudo pode ser sinal sacramental da graça divina. Sacramentos são “sinais que
contém, exibem, rememoram, visualizam e comunicam outra realidade diferente
deles, mas presente neles” (p. 18). Quem olha de fora com um olhar científico
não enxerga o mesmo que quem olha de dentro com um olhar sacramental. Como diz
o autor, o sacramento modifica o mundo, pois a água que se bebe na caneca pode
ser qualquer água. Mas desde que foi servida e sorvida na caneca-sacramento,
para aquele que entende e vive a visão interior das coisas é ela diferente.
Comunica a vida, fala do mistério presente nas coisas.
No capítulo terceiro, O Sacramento do Toco de Cigarro, Leonardo
conta sobre um pequeno toco de cigarro que guarda no fundo da gaveta. O toco de
cigarro do pai lembra ao autor o pai que viveu e vive com ele. Ele remonta à
fé, que “ilumina e exorciza o absurdo da morte” (p. 22). Faz-nos ver que toda
vez que uma realidade do mundo, sem deixar o mundo, evoca uma outra realidade
diferente dela, ela assume uma função sacramental. Deixa de ser coisa para se
tornar sinal ou um símbolo, de alguma coisa ou de algum valor para alguém. O
que faz algo ser um sacramento é o convívio com as coisas que as cria e recria
simbolicamente. Quanto mais profundamente o homem se relaciona com o mundo e
com as coisas do seu mundo, mais aparece a sacramentalidade.
No quarto capítulo,
intitulado O Sacramento do Pão, é
relatada a história da mãe que faz pão em casa e que, como num ritual, distribui
um pedaço para cada um de seus filhos. Recordando essa ilustração do pão, vê-se
que esse pão é “diferente porque recorda e traz presente por si mesmo
(in-manência) e através de si mesmo (trans-parência) algo que vai além de si
mesmo (trans-cendência)” (p. 29). E essa é a dimensão sacramental daquele gesto
que a mãe zelosamente repete. O mundo não é só dividido em in-manência e
trans-cendência. A transparência quer dizer exatamente isso: o trans-cendente
se torna presente no in-manente, fazendo que este se torne trans-parente para a
realidade daquele. O trans-cendente irrompendo dentro do in-manente transfigura
o in-manente. Torna-o trans-parente. – pensar sacramental. O sacramento
(transparência) participa de dois mundos: do trans-cendente e do in-manente.
No quinto capítulo, O Sacramento da Vela Natalina, Boff assegura
que para quem vê tudo a partir de Deus, o mundo todo é um grande sacramento;
cada coisa, cada evento histórico surge como sacramento de Deus e de sua divina
vontade. Sendo possível apenas para quem vive Deus. Os sacramentos possuem
ambivalência ou dois movimentos: um que vem de Deus para a coisa e outro que
vai da coisa para Deus. O sacramento possui duas funções, a função indicadora e
a função reveladora. Sendo que a função indicadora, indica e aponta para Deus
presente dentro dele, não com o objeto, mas no objeto. Vai do objeto para Deus.
E em sua função reveladora o sacramento revela, comunica e expressa Deus
presente nele. Não tira o homem de seu mundo, mas dirige um apelo para que olhe
mais profundamente para dentro do coração do mundo.
No sexto capítulo, O Sacramento da estória da Vida, o autor
traz alguns fatos da vida humana e de sua vida em particular, e diz que há
momentos na vida nos quais a consideração do passado constitui a verdade do
presente. O fato passado antecipa, prepara, simboliza o futuro, assume assim,
um caráter sacramental. A Bíblia apresenta a história como sacramental. No
Antigo Testamento o povo judeu vê o passado como sacramento do presente. O Novo
Testamento vê em Jesus Cristo ressuscitado o “fato decisivo da humanidade: aí
se mostrou a libertação da morte, das limitações da vida e o absurdo histórico
é possível” (p. 41). Todos os outros personagens e acontecimentos históricos são
sacramentos de Cristo. O autor termina o capítulo afirmando que a vida humana é
releitura do passado, como forma de viver o presente e de cobrar forças para o
futuro.
No sétimo capítulo, O Sacramento do Professor Primário, é
mencionada a história de um professor do primário – o sr. Mansueto, era um
homem dedicado, comprometido ao ensinar, atuava até como advogado dos caboclos
e negros discriminados. Segundo o autor, na Igreja Primitiva o sacramento não
precisa ser apenas um objeto do mundo como uma caneca, um pão, uma vela. A
própria história pode ser sacramento. E dentro desta história surgem pessoas
que capitalizam o sentido histórico, encarnam a libertação, a graça, a bondade,
a abertura ao outro. Jesus Cristo é o sacramento do encontro. Nele “Deus está
em forma humana e o humano em forma divina” (p. 47). Ele é caminho, que possui dois movimentos: o
descendente, no qual é expressão palpável do amor de Deus e o ascendente, o
qual é a forma definitiva do amor do homem.
No capítulo oitavo, O Sacramento da Casa, o autor exprime
quanto é bom se chegar em casa após uma viagem. E ao utilizar-se dessa metáfora
da casa afirma que ela é um sacramento denso e fontal, pois é “a porção do
mundo que se tornou sacramental, doméstica, humana, onde cada coisa tem seu
lugar e o seu sentido, onde não há nada de estranho” (p. 48). Como se vê na
casa-sacramento tudo é sacramental. Mas o autor no nono capítulo, intitulado Os eixos Sacramentais da vida, afirma que
há densidades sacramentais. Até o século XII (Conc. Trento) tudo que revelava a
ação de Deus e a comunhão do homem com Ele era considerado sacramento, fixando
os setes que conhecemos hoje. O Batismo é o nascimento para Deus e sublima
como participação na vida de Cristo. O sacramento da Confirmação é o da
madureza cristã. A Eucaristia desdobra o sentido latente do comer como
participação na própria vida divina. O Matrimônio sublinha a gratuidade
do amor e a presença de Deus nele. A Unção dos enfermos expressa o poder
salvífico de Deus. O sacramento da Penitência articula a experiência do
perdão e o encontro entre o filho pródigo e o Pai bondoso. O da Ordem
consagra pessoas para o serviço e a reconciliação.
No décimo capítulo – Em que sentido Jesus Cristo é o autor dos
sacramentos?, o autor retrata que o plano salvífico de Deus, denominado
sacramento ou mistério, se mediatiza em gestos ritos ou ações que encarnam,
visibilizam e comunicam a salvação. Estas ações ou ritos são denominados também
de sacramentos. O sentido em que Jesus é o autor dos sacramentos é enquanto
Verbo eterno, ele se comunicava em amor e salvação nos ritos que expressavam a
relação dos homens para com o alto. E tudo está vinculado com seu Mistério e
tudo possui uma profundidade mística.
No décimo primeiro
capítulo, O Sacramento da Palavra dada,
diz que a presença da graça divina no sacramento não depende da santidade seja
de quem administra o sacramento, seja daquele que o recebe. A causa da graça
não é o homem e seus méritos, mas o próprio Deus. O termo usado pelo concílio “ex
opere operato” (em virtude do próprio rito realizado) quer dizer: “uma vez
realizado o rito sacramental, colocados os sagrados símbolos, Jesus Cristo age
e se torna presente e isto em virtude da promessa de Deus mesmo” (p. 66).
No décimo segundo
capítulo, O sacramento da resposta dada e
do encontro celebrado, a partir da história dos desencontros e encontro das
famílias Savoldi e dos Rothaus, Boff apresenta que o sacramento é proposta de
Deus, mas também resposta humana. E somente na acolhida humilde do fiel é que o
sacramento se realiza plenamente e frutifica. Outra bela figura de sacramento é
a do encontro, pois “o sacramento emerge, fundamentalmente, como encontro do
Deus que des-cende ao homem e do homem que as-cende para Deus” (p. 70). O
concílio de Trento expressou a necessidade da abertura e conversão da pessoa
para a eficácia do sacramento. Deus quer, mas é preciso que o homem também
queira. E mais, exige compromisso, engajamento.
No penúltimo capítulo, O Dia-bólico e o Sim-bólico no Universo
Sacramental, é assegurado que o sacramento possui um momento sim-bólico de
unir, recordar e trazer presente. O sacramento expressa a fé e a alimenta
também. Ao expressar-se o homem modifica a si mesmo e o mundo, e elabora gestos
e palavras que se formam em alimento para sua fé e para sua religião. O
sacramento é rememorativo – recorda o passado, comemorativo – celebra uma
presença no aqui e agora da fé e antecipativo – antecipa o futuro para dentro
do presente. Mas há também um momento dia-bólico, de separar, escandalizar e
levar a desvios. O sacramento pode ser deturpado em sacramentalismo, isto é,
quando se busca por buscá-lo, sem a conversão.
No décimo quarto e
último capítulo, é apresentado a Conclusão:
a Sacramentologia em proposições sintéticas, e vale destacar que o
sacramento só o é no horizonte da fé. Esta que significa encontro vital e
acolhida de Deus na vida exprime seu encontro com Deus através de objetos,
gestos, palavras. Estas supõem a fé, exprimem a fé e alimentam a fé. Porque a
fé implica conversão, o sacramento só é eficaz e se realiza plenamente quando
expressar a conversão e levar à conversão, pois “sacramento com conversão é
salvação” (p. 84).
Por fim, pode-se dizer
que o autor atinge seu objetivo quando propõe encontrar no solo da vida e dos
acontecimentos os sinais transcendentes que se legitimam como sacramentos. E mais
do que falar dos sacramentos, Boff deixou que os sacramentos falassem ao
recordar fatos, ritos e objetos do comum de sua vida, remetendo aos leitores, os
fatos sacramentais de nossa história pessoal.