Eutanásia - Sociedade e Igreja
Pesquisa
realizada por Alexander Silva e Willian Bento
A Bioética é um conjunto de pesquisas, discursos e práticas, normalmente multidisciplinares, cuja finalidade é esclarecer e resolver questões éticas suscitadas pelos avanços e pela aplicação da medicina e da bioética. A Bioética possui também uma ligação com a filosofia, por discutir questões da ética e da moral, e considera a responsabilidade moral dos cientistas em suas pesquisas e práticas. Antes era uma resposta a problemas, amplia a sua abrangência ao refletir pró-ativamente sobre novas situações, utilizando um amplo referencial teórico para dar suporte às suas discussões. Muitas questões polêmicas são discutidas na Bioética, a saber a eutanásia, tema desta dissertação. Algumas destas questões são: “Até quando e onde o ser humano tem direito de interferir na natureza humana? Onde ficam os valores religiosos quando se trata dos direitos dos pacientes, no morrer com dignidade?”. Pois bem, a eutanásia tem sido debatida na sociedade, nos meios de comunicação e nos meios científicos, e ela é um assunto polêmico e doloroso sofrimento seja para a família, sociedade e os profissionais da saúde. Um argumento que influencia o atual debate sobre a eutanásia é o progresso da medicina, que não somente aumentou espetacularmente a expectativa de vida do ser humano, mas que também pode prolongar um longo e penoso processo de morrer.
1. Eutanásia
A eutanásia do ponto de vista clássico tem como conceito o ato de
tirar a vida do ser humano, por trazer em si o que é licito ou não lícito entre
o que é liberdade para morrer e o que é o dever de salvar vidas, significando
morte sem dor, sem sofrimento desnecessário, sendo atualmente entendida como
uma prática para abreviar a vida a fim de aliviar ou evitar sofrimentos aos
pacientes.
A Eutanásia pode ser classificada de várias formas, de acordo com o
critério adotado. a) Eutanásia natural: refere-se à morte produzida sem
artifícios e padecimentos, ou seja, é a morte natural ou senil, resultante do
processo natural e progressivo do envelhecimento. b) Eutanásia provocada ou
voluntária: implica o emprego de quaisquer meios pelos quais a conduta
humana, seja pelo próprio moribundo, ou por terceiro, contribui para acabar com
a agonia, aliviando o sofrimento do paciente ou abreviando-lhe a vida.
Subdividida em: Eutanásia autônoma: é a preparação e atuação da própria morte,
não havendo intervenção de terceiros; - Eutanásia heterônoma: resulta da ação
ou participação de outras pessoas. c) Eutanásia solutiva (pura lenitiva,
autêntica ou genuína): consiste no auxílio à boa morte, porém sem abreviação do
curso vital. Tal modalidade consiste apenas em um dever moral e jurídico de
manutenção da vida. O sofrimento é apenas amenizado através de calmantes,
controle das sufocações e espasmos, e assistência psicológica e/ou espiritual.
d) Eutanásia resolutiva: incide sobre a duração do prazo vital,
reduzindo ou suprimindo a vida do paciente, desde que em interesse deste e com
seu consentimento ou de seus representantes legais. Dentro da classificação de
Eutanásia provocada resolutiva, pode-se subdividir ainda em três categorias: -
Eutanásia libertadora ou terapêutica: hipótese; - Eutanásia eugênica ou
selecionadora; - Eutanásia econômica; A mais conhecida entre as eutanásias
é a, e) Eutanásia ativa.
A eutanásia ativa trata de uma ação medica pela qual se põe
fim a vida de uma pessoa enferma, seja por um pedido do paciente ou a sua
revelia. O exemplo típico seria a administração de uma superdose de morfina com
a intencionalidade de pôr fim a avida do enfermo, também chamada de suicídio
assistido. No código penal, decreto-lei 2.848/40 que esta em vigor a eutanásia
no Brasil é considerado um crime de homicídio privilegiado. Se ela
for aprovada passará a ser regulada como eutanásia ativa desde que seja
por piedade ou compaixão de paciente em estado terminal, aqui vale ressaltar em
que a lei deverá fazer o possível para diferenciar o que é um paciente terminal
de um paciente vegetativo, porém não se sendo pessimista cabe-nos lembrar que
se tratando de Brasil, onde o “jeitinho brasileiro” infelizmente impera, poderá
ocorrer aqui: questão de heranças, pensões, seguros de vida e outros.
Em alguns países a prática da eutanásia é preciso seguir
alguns princípios ao aplica-la:
·
Ela deve ser humanitária, não
causando terror ou sofrimento ao paciente;
·
Ter um tempo mínimo para a perda da
consciência;
·
Não produzir alterações que
prejudiquem a interpretação das lesões;
·
Ser método de fácil aplicação, ação
rápida e baixo custo;
· Não ocorrer de o sangue se espalhar
pelo local, evitando-se, dessa forma, contaminações;
·
Não oferecer perigo ao profissional
que o execute.
Podemos deduzir que profissionais que praticam tais atos estão
lidando com um objetivo que necessita de manual de instruções para ser
manipulados. Quase sempre os profissionais da saúde e os funcionários
hospitalares não têm sido devidamente preparados e/ou treinados para uma
abordagem mais natural e humanista tanto junto aos pacientes em fase terminal e
também quanto aos familiares, fazendo assim o que se torna mais fácil e rápido.
Muitos se esquecem de que fazem juramentos e comprometimentos com a vida do
pacientes, nem que ela seja terminal, vale citar aqui documentos que comprovam
tais fidelidades aos pacientes: “a enfermagem é uma profissão comprometida com
a saúde do ser humano e da coletividade. Atua na promoção, proteção,
recuperação da saúde e reabilitação das pessoas, respeitando os preceitos
éticos e legais que envolvem desde os deveres e proibições” (Art. 1º do Código
de Ética de Enfermagem).
Deve ser lembrado também que dentre essas proibições destaca-se o
art. 46º “promover a eutanásia ou cooperar, em prática destinada a antecipar a
morte do cliente”. Dentre os deveres se destaca o art. 25º “garantir a
continuidade da assistência de enfermagem”.
A partir daí, deve-se pensar e priorizar a promoção e preservação
da qualidade de vida até a morte do indivíduo. Pensando com consciência na
proibição da eutanásia, deve-se também pensar com dedicação o que se refere á
qualidade de vida e morte digna, para então se entenda o porquê do cuidado
paliativo ter-se tornado um grande desafio para a equipe multidisciplinar. No
Chile, como em muitos países, a eutanásia é ilegal. A Igreja Católica mantém
uma forte influência na sociedade e o país é um de muitos que proíbe o aborto
sob quaisquer circunstancias. E foi lá justamente que uma menina de 14 anos, Valentina
Maureira, pesava cerca de 35kg fez um pedido: que a deixem morrer. A
adolescente sofria de fibrose cística, uma doença hereditária e degenerativa
que afetava seus pulmões, fígado e pâncreas. Porém o presidente do Chile
rejeitou o pedido de eutanásia feito pela adolescente, “A lei não permite que
se atenda a um pedido dessa natureza”.
O pedido do paciente para morrer também poderia ser uma resposta ao
olhar de impotência do profissional, que não sabe o que fazer na situação,
poderia ser uma afirmação de que se é humano, que ainda se esta vivo. Às vezes,
o paciente esta tão deformado que não se sente mais vivo, nem é mais visto
assim. Não pode obrigatoriamente que se faça algo, mas que seja visto e ouvido.
A presença do médico ao lado do paciente, ouvindo seus medos e anseios, tem um
enorme poder terapêutico, conhecido por humanização hospitalar. Ao
ouvi-los, a percepção de quem eles são transcende a enfermidade, elevando-os a
uma condição mais ampla e pluridimensionada, como todos os seres humanos devem
ser.
Portanto, entra neste momento os cuidados paliativos, no qual não
se adianta e nem atrasa a morte, o qual se faz um conhecimento aprimorado dos
médicos para que receitem medicamentos apropriados para suavizar a dor dos
pacientes terminais, que promova assistência de enfermagem ao paciente
terminal, controlando a dor, controlando os sintomas, aspectos éticos-legais,
considerações culturais na assistência ao paciente terminal, comunicação perda
e luto, preparo e cuidado para a hora da morte e obtenção de qualidade para o final da vida ou momento terminal,
garantindo a eles todo cuidado especial e com muita dignidade, fazendo
realmente com que se sintam seres humanos dignos.
2. Modelo
antropológico e ético
Vemos
na Eutanásia como primeiro modelo antropológico modelo individualista como por
parte do paciente, uma liberdade de escolha sem responsabilidades, uma
autonomia absoluta, não se pensa na dor da família que de certa forma já
passaria por este momento, ele quer aliviar o sofrimento como de qualquer
jeito, como já foi dito acima estar enterrado mesmo antes de morrer. Também
temos aqui a antropologia reducionista no qual por parte da equipe médica que
vai aplicar a Eutanásia, nega a questão do espírito fazendo com que o paciente
seja um ser biológico apenas, “matar sem dor”, justificando o pedido do
paciente ou muitas vezes para aliviar os leitos dos hospitais superlotados.
Também contempla aqui a antropologia eficientista, na qual o paciente por não
ser mais um que produz não merece tutelas de uma vida com dignidade, usa-se da
eutanásia para muitas vezes se conseguir resultados na medicina sobre o
paciente que não mais produz. Deificação da tecnologia, passa-se por cima
daquilo que já se sabe. Aqui não contempla o modelo personalista porque o outro
aqui é sim excluído das decisões por parte de quem pede a eutanásia (exclui-se
familiares e amigos, ou mesmo legisladores) ou de quem prática a Eutanásia
(seja da equipe médica ou dos próprios familiares que não leva em conta a
decisão do próprio paciente)
Já
no que tange os modelos éticos, temos:
·
Orietamento
não-cognitivista: pois existe uma verdade moral que não há valores verdadeiros
ou falsos e sim válidos ou inválidos.
·
Orientamento
principialista do quesito: autonomia, paciente livre para intervir nas decisões
em relação ao diagnóstico, não nos países que proíbem a eutanásia;
beneficência, cuidados paliativos, aplicar regimes para o bem do paciente e
nunca para prejudicar; não maleficência, paliativos jamais deve realizar seu
trabalho submetendo seus pacientes aos ricos, e; justiça, paliativos
respeitando à coletividade dos pacientes.
·
Já
para os países que adotam a eutanásia o orientamento radical liberal na qual a
norma ética se baseia na vontade do sujeito, aqui a autonomia é levada ao
extremo
·
Orientamento
utilitarista: toda a moralidade está nas consequências, o fim justifica os
meios.
·
Orientamento
contratualista: para casos onde há autorização contratual entre paciente e
justiça, aqui os fundamentos estão de acordo dos indivíduos mediante um
consenso.
·
Princípios
éticos e cuidados paliativos: a vida não é abreviada e nem prolongada, mas
vivida em seu momento particular: veracidade, proporcionalidade terapêutica,
duplo efeito, prevenção, não-abandono, alívio da dor.
Portanto
os princípios de defesa da vida física faz com que o homem seja visto como um
ser completo “corpo + espírito”, não pode haver a negação nem de um e nem de
outro. O respeito a vida é a primeira base ética que uma pessoa necessita ter.
Além do mais o direito à vida está protegida por lei. O que muitas vezes falta
ao homem é o saber morrer, saber que certas questões na vida são inevitáveis e
também imprevisíveis, é preciso saber aceitar que a dor, o sacrifício e a morte
estão implícitas no pacote chamado existência humana.
Para
ser livre é preciso estar vivo, a vida é condição a todos indispensável para o
exercício da liberdade, essa liberdade condicionada me faz olhar a mim
propriamente e ao outro como algo sagrado e digno de ser respeitado e preservado.
A lei do respeito à vida é tão arraigada que para salvar um todo que é o
organismo humano, se for preciso mutilar uma parte desse todo, o autor que no
caso aqui será o médico, este está já justificado.
O
respeito a vida está em que cada ser humano tem o dever de promover a vida,
saúde e bem estar para a promoção de todos. Isto inclui tratamentos que sejam
eficientes para todas as pessoas necessitadas de tais recursos evitando assim a
chamada Eutanásia social, que todos os dias em muitos lugares tiram a
vida de milhares de sofredores que não
recebem os recursos que por direito seriam deles.
3. Base cristã
católica
Nesta
perspectiva, passamos agora a analisar alguns documentos que a Igreja tratou
acerca deste assunto tão caro à moral cristã e que ocupa uma real importância
nos tempos atuais, uma vez que sempre é chamada, sempre à defesa da vida e
também do crescente debate civil que se tem cada vez mais, ocupado lugar de
destaque.
No
Catecismo da Igreja Católica (CIC) a questão da Eutanásia é apresentada como
algo inadmissível, caracterizando crime contra a vida, independentemente de
suas justificações e motivos. Neste sentido, afirma o catecismo em seu
parágrafo 2277: “Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta
consiste em por fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É
moralmente inadmissível”[1].
Assim sendo, mesmo quando a certeza da morte for algo iminente, não pode
considerar, em hipótese alguma, tal procedimento:
Mesmo
quando a morte é considerada iminente, os cuidados comumente devidos a uma
pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidas. O emprego de
analgésicos para aliviar os sofrimentos do moribundo, ainda que o risco de
abreviar seus dias, pode ser moralmente conforme à dignidade humana se a morte
não é desejada, nem como fim nem como meio, mas comente prevista e tolerada
como inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma privilegiada de
caridade desinteressada. Por esta razão devem ser encorajados (CIC 2279).
Outro
documento que trata dos assuntos relacionados à bioética é justamente a
Encíclica Evangelium Vitae, escrita
pelo Papa João Paulo II. Nele, o papa se debruça acercas das questões que
estavam latentes ao seu tempo e que necessitava de uma posição ou uma
reafirmação da doutrina da Igreja sobre tais assuntos. Para isso, se confirma a
importância do valor da vida humana que é dom gratuito de Deus, dada a cada ser
humano, que tem como dever, preservar, cuidar e tornar digna toda e qualquer
vida humana, passando desde a fecundação, culminando em seu encerramento com
uma morte que não fira o seu fim natural.
(…)
a vida humana, dom precioso de Deus, é sagrada e inviolável, e, por isso mesmo,
o aborto provocado e a eutanásia são absolutamente inaceitáveis; a vida do
homem não apenas não deve ser eliminada, mas há-de ser protegida com toda a
atenção e carinho; a vida encontra o seu sentido no amor recebido e dado, em
cujo horizonte haurem plena verdade a sexualidade e a procriação humana; nesse
amor, até mesmo o sofrimento e a morte têm um sentido, podendo tornar-se
acontecimentos de salvação, não obstante perdurar o mistério que os envolve; o
respeito pela vida exige que a ciência e a técnica estejam sempre orientadas
para o homem e para o seu desenvolvimento integral; a sociedade inteira deve
respeitar, defender e promover a dignidade de toda a pessoa humana, em cada
momento e condição da sua vida (João Paulo II, Evangelium Vitae, 81
b).
O
documento apresenta ainda as consequências que a prática de ações contra a vida
pode provocar no ser humano. De antemão, podemos afirmar que tais práticas
ferem indubitavelmente a vida em sua condição de máxima fragilidade (gestação e
fase idosa) na qual exige maior atenção, seja da própria família (chamada a ser
‘santuário da vida’), seja dos poderes civis. Muitas vezes, muitas pessoas,
membros da família, se sentem comovidas pela dor do familiar a ponto de ver na
prática da eutanásia, a interrupção do sofrimento ou da dor, diante da morte
evidente. Neste sentido, afirma a Encíclica:
Tais
atentados [aborto e eutanásia] ferem a vida humana em situações de máxima
fragilidade, quando se acha privada de qualquer capacidade de defesa. Mais
grave ainda é o fato de serem consumados, em grande parte, mesmo no seio e por
obra da família que está, pelo contrário, chamada constitutivamente a ser
"santuário da vida". Para além do motivo de presunta compaixão diante
da dor do paciente, às vezes pretende-se justificar a eutanásia também com uma
razão utilitarista, isto é, para evitar despesas improdutivas demasiado
gravosas para a sociedade. Propõe-se, assim, a supressão dos recém-nascidos
defeituosos, dos deficientes profundos, dos inválidos, dos idosos, sobretudo quando
não auto-suficientes, e dos doentes terminais. (…). Olhando as coisas deste
ponto de vista, pode-se, em certo sentido, falar de uma guerra dos poderosos
contra os débeis: a vida que requereria mais acolhimento, amor e cuidado, é
reputada inútil ou considerada como um peso insuportável, e, consequentemente,
rejeitada sob múltiplas formas (João Paulo II, Evangelium Vitae, 11, 12b e
15.).
A
encíclica trata também das pessoas que defendem tal “cultura da morte”, bem
como das consequências que essas pessoas trazem para as suas vidas, uma vez que
colaboram com tais meios para subjugar e diminuir a vida. O chamado suicídio
assistido é algo que toca a Igreja a muitos anos e séculos, a ponto do próprio
Agostinho tratar do assunto em suas obras. Não se pode, por nenhum motivo,
requerer o direito a questões que defendem qualquer forma de interrupção da
vida.
Reivindicar
o direito ao aborto, ao infanticídio, à eutanásia, e reconhecê-lo legalmente,
equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o
significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros. Mas isto é
a morte da verdadeira liberdade. Tudo quanto se opõe à vida, como seja
toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio
voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana (…). Todas estas
coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a
civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que
padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador. Compartilhar
a intenção suicida de outrem e ajudar a realizá-la mediante o chamado «suicídio
assistido», significa fazer-se colaborador e, por vezes, autor em primeira
pessoa de uma injustiça que nunca pode ser justificada, nem sequer quando requerida.
“Nunca é lícito - escreve com admirável atualidade Santo Agostinho - matar o
outro: ainda que ele o quisesse, mesmo se ele o pedisse” (…). Mesmo quando não
é motivada pela recusa egoísta de cuidar da vida de quem sofre, a eutanásia
deve designar-se uma falsa compaixão, antes uma preocupante «perversão» da
mesma: a verdadeira «compaixão», de fato, torna solidário com a dor alheia, não
suprime aquele de quem não se pode suportar o sofrimento. E mais perverso ainda
se manifesta o gesto da eutanásia, quando é realizado por aqueles que - como os
parentes - deveriam assistir com paciência e amor o seu familiar, ou por
quantos - como os médicos -, pela sua específica profissão, deveriam tratar o
doente, inclusive nas condições terminais mais penosas (João Paulo II,
Evangelium vitae,3, 20 e 66 b).
Trata
ainda das atitudes no campo clínico, hospitalar. Bem sabemos que muitas vezes,
a eutanásia pode acontecer pela falta de leitos, entre diversos outros fatores,
sem o consentimento da pessoa. Neste sentido, comete-se um gravíssimo crime
contra a vida, culminando, segundo as leis civis, em homicídio. Condena ainda
toda e qualquer tipo de lei que favoreça tal prática, não favorecendo assim o
bem comum, a garantia da vida em sua finitude natural.
A
decisão da eutanásia torna-se mais grave, quando se configura como um
homicídio, que os outros praticam sobre uma pessoa que não a pediu de modo
algum nem deu nunca qualquer consentimento para a mesma. Atinge-se, enfim, o
cúmulo do arbítrio e da injustiça, quando alguns, médicos ou legisladores, se
arrogam o poder de decidir quem deve viver e quem deve morrer. (…) Assim, a
vida do mais fraco é abandonada às mãos do mais forte; na sociedade, perde-se o
sentido da justiça e fica minada pela raiz a confiança mútua, fundamento de
qualquer relação autêntica entre as pessoas. As leis que autorizam e favorecem
o aborto e a eutanásia colocam-se, pois, radicalmente não só contra o bem do
indivíduo, mas também contra o bem comum e, por conseguinte, carecem totalmente
de autêntica validade jurídica. De fato, o menosprezo do direito à vida, exatamente
porque leva a eliminar a pessoa, ao serviço da qual a sociedade tem a sua razão
de existir, é aquilo que se contrapõe mais frontal e irreparavelmente à
possibilidade de realizar o bem comum. Segue-se daí que, quando uma lei civil
legitima o aborto ou a eutanásia, deixa, por isso mesmo, de ser uma verdadeira
lei civil, moralmente obrigatória (João Paulo II, Evangelium vitae, 66 e 72
c ). O aborto e a eutanásia são, portanto, crimes que nenhuma lei humana
pode pretender legitimar. Leis deste tipo não só não criam obrigação alguma
para a consciência, como, ao contrário, geram uma grave e precisa obrigação de
opor-se a elas através da objecção de consciência. Desde os princípios da
Igreja, a pregação apostólica inculcou nos cristãos o dever de obedecer às
autoridades públicas legitimamente constituídas, mas, ao mesmo tempo, advertiu
firmemente que «importa mais obedecer a Deus do que aos homens». Portanto, no
caso de uma lei intrinsecamente injusta, como aquela que admite o aborto ou a
eutanásia, nunca é lícito conformar-se com ela, nem participar numa campanha de
opinião a favor de uma lei de tal natureza, nem dar-lhe a aprovação com o
próprio voto (João Paulo II, Evangelium Vitae, 66,72 e 73 b).
Pio
XII, em um Congresso de Anestesiologia, ocorrido em 1957, falou de todas as
possibilidades possíveis no tratamento de um enfermo, bem como dos cuidadores
que tem como dever de garantir ao enfermo, condições necessárias para um bom
tratamento:
A
razão natural e a moral cristã ensinam que, em caso de doença grave, o doente e
os que dele cuidam têm o direito e o dever de pôr em ato os cuidados
necessários para tratar a doença, conservar a saúde e a vida. Tal dever
geralmente compreende a utilização de meios que, consideradas todas as
circunstâncias, são ordinários, ou seja, não comportam um encargo
extraordinário para o doente e para os demais. Uma utilização mais intensiva de
meios de intervenção poderá ser demasiadamente onerosa ou mesmo impossível para
as pessoas e tornaria extremamente difícil a consecução de outros bens. A vida,
a saúde e todas as atividades temporais estão subordinadas aos fins espirituais
(Pio XII, aos participantes do Congresso de Anestesiologia, 24/11/1957).
Várias
outras questões que tangem a dimensão moral, foram apresentadas ao longo de
situações que se apresentavam. Uma delas, afirma da morte que deve acontecer de
forma digna, aceitando o sofrimento visto não como um aspecto negativo, mas sim
como uma condição redentora. Fala ainda que Igreja, em sua moral, tem por dever
a defesa da garantia da vida humana.
Quem
acredita em Deus sabe que só Ele é o Senhor da vida e que ninguém pode pôr fim
à sua própria vida ou contribuir para a morte do seu semelhante. É o quinto
mandamento da Lei de Deus: o homicídio e o suicídio são actos imorais. Morrer
com dignidade é morrer com grandeza e generosidade, aceitando o sofrimento na
sua dimensão positiva e redentora. Pode redimir essa vida. Temos obrigação de
ajudar os nossos irmãos a morrer bem, para o que contribui a própria ciência
médica. Os cuidados paliativos e a terapia da dor podem fazer parte do nosso
esforço de ajudar os outros a morrer. Não temos o direito de provocar a morte,
mas temos o dever de ajudar os outros a morrer (Comunicado final da
Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa 20–23/4/2009).
A
obrigação moral de garantir à vida humana uma especial proteção está
testemunhada em preceitos primordiais da humanidade, com expressões diversas em
todas as culturas, e codificada no mandamento bíblico do Decálogo: “Não
matarás” (Dt 5,17). A consciência moral das gerações que nos precederam
e o próprio magistério da Igreja procuraram, ao longo dos tempos, com os
recursos culturais de cada época, encontrar expressões e concretizações
atualizadas deste mandamento, no sentido de elevar e purificar as exigências morais
nele contidas. Consequentemente, é eticamente inaceitável qualquer forma de
eutanásia, isto é, qualquer “ação ou omissão que, por sua natureza e nas
intenções, provoca a morte”. Nem sequer o objetivo de eliminar o sofrimento ou
livrar a pessoa de um estado penoso pode legitimar a eutanásia, tanto mais que
a medicina e a sociedade dispõem de outros meios para socorrer os pacientes em
fase terminal. Equivalente à eutanásia, do ponto de vista ético, é qualquer
forma de ajuda ao suicídio, também designado suicídio assistido (Nota
pastoral da CEP, Cuidar da vida até à morte: Contributo para a reflexão ética
sobre o morrer, 4, 1-2).
Penso
particularmente nos doentes, sobretudo aqueles para quem o sofrimento se torna
tão pesado que lhes tira a alegria de viver. Alguns desistem mesmo de viver e
suplicam que os ajudem a morrer. Abram-se à esperança de que Jesus é a fonte;
aceitem que a vida é uma batalha a ser travada com coragem e generosidade, que
a nossa vida é um mistério que só Deus conhece. Peçam-nos que vos ajudemos a
vencer essa batalha, peçam-nos para vos ajudar a viver, mitigando, se possível,
o vosso sofrimento. Ninguém tem o direito de ajudar os outros a morrer. A
coragem da última etapa da vida pode resumir e salvar essa vida (Mensagem de
Natal 2008, D.José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa).
CONCLUSÃO
Ao concluirmos este trabalho que perpassou questões ligadas às ordens
civis, bem como a tipologia da eutanásia que é a interrupção da vida. Diante
disso, vimos também todo o esforço que Igreja fez e faz, por meio de seus
documentos e afins, para defender a vida em sua totalidade. Assim sendo,
consideramos que a vida deve ser mantida em sua dignidade, independente das
leis civis que impossibilitam a garantia da vida. Um país, uma cultura que
defende tal prática, na verdade, coloca em xeque toda a defesa da vida, de sua
garantia e principalmente de seu futuro.
O que compete a nós enquanto ministros da Igreja, é a defesa dos princípios
que garantem a vida até a sua finitude. Pastoralmente, é necessário acompanhar
tanto o enfermo, quanto a família, assistindo-os no momento de maior
fragilidade. Se posicionar inclusive diante de situações de eutanásia praticada
por hospitais, procurando orientar a equipe médica, lembrando ainda que a
prática da eutanásia no Brasil é crime e que fere inclusive as normas éticas da
medicina nacional.
Portanto, constatamos que o trabalho pastoral e o discurso moral exigem uma
compreensão e um trabalho que requer certo acompanhamento, uma inserção do
padre no cotidiano de seus paroquianos, sobretudo os enfermos e agonizantes que
necessitam de um cuidado muito particular. Nesta dimensão, o Papa Francisco tem
chamado a atenção para tal assunto. Ter o “cheiro das ovelhas” passa necessariamente
pelo acompanhamento de seu rebanho até o seu último suspiro, dando a ele
condições necessárias para que tal suspiro, seja dado de forma digna e
naturalmente.
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SÀ, Maria de Fátima Freira de. Direito de Morrer: Eutanásia e
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SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Eutanásia.
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Acessado em 26 de maio de 2016.
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