Resenha: BINGERMER; Maria C. L.; FELLER, Vitor G. Deus Trindade

BINGERMER; Maria C. L.; FELLER, Vitor G. Deus Trindade: A vida no coração do mundo. 2 ed. Valência, Espanha: Siquem, 2009; 4 ed. São Paulo: Paulinas, 2014 (Coleção livros básicos de teologia 6).

A presente obra, Deus Trindade: A vida no coração do mundo, vem nos apresentar um aprofundamento no conhecimento de Deus. Na sua identidade e na maneira que ele tem de agir e de se comunicar com a humanidade. A partir da experiência humana sobre Deus, pois para os autores “é preciso primeiramente experimentar com o coração para depois refletir com a razão” (BINGERMER, 2009, p. 10) e que somos convidados experimentar tal “aventura”.
Maria Clara Bingemer e Vitor G. Feller, nesta aventura teológica, três perspectivas de meditação: [1] Pela Sagrada Escritura, sendo ela a inspiração do próprio Espírito; [2] Por Jesus e seus seguidores, e; [3] A própria experiência de Deus que a Igreja nos ensina. Dividido em seis capítulos, o objetivo é ajudar aos leitores a encontrarem-se com o próprio Deus, na sua identidade.
No primeiro capítulo, A aventura de pensar e falar sobre o Deus da nossa fé, os autores afirmam que toda religião tem em seu centro a fé, a crença em Deus. Os cristãos, por sua vez, fazem um encontro em maior profundidade com Deus, e, no centro dessa identidade está à crença no Deus Trindade, um Deus que tem rosto e nome. Antes de refletir sobre Deus é necessário fazer a experiência existencial Dele. Surge, a partir daí, a grande tarefa da teologia nos dias atuais que é como falar de Deus. É falar de Deus teologicamente, falar de Deus a partir da e na teologia. Para isso, existem alguns requisitos necessários: 1) Um olho e um ouvido no passado, na história, na tradição; 2) Um olho e um ouvido no presente e na revelação de Deus hoje; 3) Um olho, um ouvido e um coração no futuro, de onde Deus vem ao nosso encontro.
Os tratados sobre Deus no decorrer da história são permeados por luzes e sombras. Neste sentido, na presente obra, é elucidado como os cristãos durante vinte séculos falaram sobre Deus. Na Patrística, tempo dos Santos Padres, assim como também tempo da helenização, partiam de Jesus Cristo como via de acesso ao mistério da Trindade.  Na Escolástica: Parte-se dos dados dogmáticos antigos e não se tem as Sagradas Escrituras como ponto de partida para a reflexão teológica, se apropriando apenas da filosofia, reduzindo Deus aos seus conceitos, Ser Supremo, ou Substância Suprema. Já na Modernidade, acontece a virada antropológica, que agora põe o sujeito no centro do saber e encara a realidade como matéria-prima a ser transformada. Assim como, período que é marcado pela reforma e contrarreforma, com a afirmação de Deus como Sujeito Absoluto, e o catolicismo reforça as definições de fé dadas pelos concílios, no combate as heresias e conciliando fé e razão afirmando a cognoscibilidade natural de Deus. Por fim, na Pós-Modernidade, o ser humano é protagonista do seu existir. Logo, não há uma preocupação em especular sobre Deus, mas de narrar a história de relação, que existe entre Deus e seu povo para ser pensada uma teologia Trinitária em termos de comunidade e alteridade.
No capítulo segundo, O Deus da Bíblia, mostra-se que o nosso Deus não é um ser transcendente sem rosto próprio, mas é comunhão, é um Deus que se deu a conhecer ao povo de Israel, na comunidade cristã e continua a sua auto revelação hoje. Tão logo, os autores nos apresentam que o Deus cristão é o Deus das Sagradas Escrituras e para que o encontro entre Deus e os homens aconteça é necessário não partir da razão, mas da fé e negar sem sombra de dúvidas o fundamentalismo tão latente nos tempos hodiernos.
No Antigo Testamento, encontram-se várias concepções de Deus o Javismo: Javé associado a Moisés e ao Êxodo; o Deus do Êxodo: Deus atua na história e tem relação com o seu povo; O Deus do Sinai: Deus se manifesta com o povo no Sinai, o libertando da escravidão do Egito e se faz aliança; o Deus dos profetas: portadores da revelação, que denunciam a exploração e pede a conversão; e é o Deus dos sábios: que orienta seu povo em um caminho reto. No Antigo Testamento, não se encontra uma revelação trinitária, pois o povo está cada vez mais se abrindo para acolher a revelação, com isso, está se abrindo para captar a revelação definitiva que se deu no Novo Testamento. No Novo Testamento, há uma síntese das “etapas do Antigo Testamento” na pessoa de Jesus de Nazaré, Deus que se revela de modo plenamente novo, um Deus que é todo misericordioso e acolhedor dos sofredores/sofredoras. Além disso, este Jesus de Nazaré não é apenas uma revelação, mas o próprio Deus revelado.
O Deus de Jesus Cristo é o tema do terceiro capítulo. Neste capítulo, é feito a passagem do Antigo para o Novo Testamento. O Novo Testamento e na fé cristã, Jesus de Nazaré, filho de Maria e José, o carpinteiro, Filho de Deus foi progressivamente reconhecido e anunciado pelas comunidades que foram descobrindo sua humanidade e sua divindade. À medida que se lê é possível se descobriu a relação com a humanidade de Jesus e a sua revelação de um Deus diferente. A figura de Jesus não é dualista. Em Jesus, tem-se a reconciliação ou a síntese entre o humano e o divino. A palavra e a perfeita escuta obediente, a revelação e a fé, a história e a interpretação da fé, a terra e o céu, a carne e o espírito. O caminho para se chegar à confissão de fé de que Jesus é Deus foi bem complexo. Assim também, a teologia contemporânea crê que o Cristo da fé não se opõe ao Jesus histórico, mas o integra e o assume em sua totalidade. Trata-se de uma realidade dinâmica entre o Jesus histórico e o Senhor ressuscitado e exaltado à direita do Pai, se tratando da mesma pessoa. E o Cristo da fé é a figura central dos Evangelhos e de todo o Novo Testamento.
A revelação do Deus-trindade em Jesus, Filho de Deus-Pai e ungido do Espírito Santo, e vista na expressão do amor e da misericórdia. As pessoas que conviveram com Jesus viram nas suas palavras e obras a presença e pulsão trinitária. Mas foi na cruz e no mistério pascal que as comunidades cristãs intuíram a revelação trinitária, tão logo, somos convidados hoje a contemplar o crucificado e fazermos a experiência deste mistério de amor.
O quarto capítulo, Deus que é Espírito Santo, apresenta que ao lado da revelação do Filho, há outra revelação do Espírito Santo. Uma é inseparável da outra. Sem a revelação do Espírito Santo não só a revelação de Deus ficaria incompleta, com também sem este evento Jesus não teria gerado o Cristianismo. Portanto, são as duas mãos do Pai que nos tocam, como lembra Irineu de Lião, e pelas quais podemos percebê-lo. Os autores lembram que o fato do Ocidente cristão ter se esquecido do Espírito Santo, foi graças aos orientais que se desenvolveu uma teologia pneumatológica. O ocidente redescobriu a pessoa do Espírito Santo nos últimos tempos, mas corre-se o risco de se enveredar para o pneumatomonismo devido ao pentecostalismo extremado, pois é necessária a interação com o conjunto da revelação trinitária de Deus.
O Espírito Santo nas Sagradas Escrituras é apresentado por meio de símbolos, que apresentam movimentos, fluidez e liberdade: água, luz, óleo, fogo, dedo, selo, etc. No Antigo Testamento, aparece a palavra Ruah: sopro, vento, ar, brisa. No Antigo Testamento, o Espírito Santo aparece como a ação de Deus, está presente na criação, é o Espírito que suscita líderes carismáticos em Israel, atua nos e pelos profetas, na literatura sapiencial surge uma reflexão sobre a Sabedoria muito próxima do Espírito Santo. No Novo Testamento, Paulo, Lucas e João são os autores que mais falam sobre a presença do Espírito Santo. Paulo insiste na dimensão experiencial e comunitária da ação do Espírito Santo, que só é possível na práxis. Lucas apresenta uma dimensão social e missionária do Espírito Santo. Em Atos dos Apóstolos, é graças ao Espírito que a Igreja dá continuidade à ação de Jesus. João salienta a dimensão mística e afetiva da dimensão do Espírito Santo.
O quinto capítulo, Deus-Pai, Mistério Fontal e sem Origem, os autores fazem uma interessante reflexão acerca do mistério desse Pai que nunca ninguém viu e que só nos foi revelado plenamente por seu Filho Jesus Cristo. Só pelo Filho e no Espírito podemos conhecer este que é o mistério maior do mundo e da vida e que nos faz ser e viver e entender-nos como filhos nascidos desse desejo de amor de Pai. Além disso, os autores apresentam uma crise das imagens de Deus na atualidade. Tem-se dificuldades para falar de Deus. Assim como, a imagem de Pai que entrou em crise. Imagem esta que precisa ser resgatada e também a fé em Deus Pai. Na Bíblia, o Pai se revela como o Deus libertador do povo. Ele é Pai dos Pobres, das viúvas, dos órfãos, dos imigrantes. O mal não é vontade do Pai e os autores afirmam que não é culpa de Deus, mas mau uso que os homens fazem de sua liberdade. Quem ama deixa a pessoa amada livre para agir. O mal se origina, no conflito, mal resolvido, entre imediatismo e o egoísmo. É apresentada na obra a dimensão feminina de Deus. Deus-Pai em linguagem feminina: consola o povo, como a mãe consola o filho. O Filho foi gerado no útero do Pai. Assim, Deus é Pai e Mãe.
O sexto e último capítulo, A Santíssima Trindade na história da Igreja, aborda o nascimento da Igreja no momento em que os discípulos (as) recebem o Espírito Santo em Pentecostes. A Igreja é o verdadeiro sujeito da fé. É a comunidade daqueles que acolhem e transmitem a fé recebida dos apóstolos. Os primeiros cristãos foram logo desafiados a explicar sua fé, diante do judaísmo e mundo grego. Para responder a estas perguntas não bastava a fé. Foi preciso também o uso da inteligência. Dessa maneira, a reflexão cristã foi feita no meio de duas preocupações: uma, mais positiva, que busca a explicação da fé; e, outra, mais crítica, que defende a fé diante de ataques.
Nesse caminho de mais de dois milênios de história da teologia cristã, foram elaborado três caminhos racionais ao mistério divino: o primeiro, elaborado pelos Padres Gregos, apoiados na Bíblia, entenderam a Trindade a partir do Pai, sendo o primeiro a ser revelado, ou seja, fonte e origem de tudo, se deu a conhecer por meio do Filho e do Espírito; o segundo caminho, feito pelos Padres Latinos e teólogos da Idade Média, mostram que é um Deus em três Pessoas distintas e insistem na unidade de Deus, e; o terceiro caminho está ainda em fase de elaboração, mas apresenta que cada uma das Pessoas tem um maneira especifica de ser e agir. Que se fundamentam nas Escrituras e nas outras fonte da fé, para a criação de sociedade mais democrática e pluralista, afirmando que a Trindade é comunhão. Ou seja, Três Pessoas que não se dividem e são interpenetradas.
Bingemer e Feller, no que se refere à compreensão racional do mistério trinitário, identificam três grandes controvérsias, ou seja, heresias. A primeira foi chamada de subordinadíssimo, para os quais Jesus e o Espírito Santo eram apenas criaturas. A segunda, o modalismo, afirma que o Verbo não é Filho do Pai por natureza, Jesus não era Deus, e, por isso, a salvação não teria ocorrido. E, a terceira controvérsia, o triteísmo, propunha a existência de três deuses. Ao longo da história houve muitas controvérsias, modos errados de compreender a fé trinitária. Toda a Igreja procurou responder, demonstrando a verdade da fé trinitária: um só Deus em três pessoas divinas. Enfim, a síntese de todo esse processo foi sintetizado no Credo, ou profissão de fé, que resume a nossa fé, que a sintetiza e a torna inteligível.

Pode-se observar, que pelo método usado na obra para nossa reflexão, proporcionou um encontro profundo com Deus. O Deus de nossa fé, Aquele em quem cremos que é o sentido de nossas vidas. A obra possui um vocabulário simples e objetivo, levando uma tranquila compreensão, passando por vários pontos sobre a Trindade no decorrer da história e das tradições e tem como palavra-chave a experiência, pois é necessário experimentar Deus com o coração para depois refletir com a razão. Portanto, Deus é Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Nosso Deus é comunhão de três pessoas que se amam infinita e eternamente. E essa união é tão forte e profunda que os Três são um só e único Deus. E, nós cremos em Deus uno-trino, comunhão de pessoas que são diferentes na unidade, mas que são unas na diversidade. Contemplar esse mistério que é o centro da fé e da vida cristã uma única atitude é possível, o silêncio. A Trindade é a eterna comunicação da vida, cria o homem e a mulher como seres inteligentes e livres capazes de amar.  E a Trindade continua sua obra criadora, seu brilho e esplendor inundando a terra inteira e nós somos continuadores dessa obra criadora.

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