Resenha: HORSLEY, Richard A. Jesus e o império
HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova
desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004.
A presente obra, Jesus e o império: o reino de Deus e a nova
desordem mundial, nos apresenta uma crítica às abordagens de Jesus
histórico que o descrevem como individualista, despolitizado, e que ignora o
contexto real em que ele exerceu suas atividades. Neste sentido, o escrito
apresenta argumentos a favor do seu enfoque relacional-contextual,
possibilitando uma compreensão mais apropriada do Novo Testamento. Seu destaque
sociopolítico se dá em paralelo a dois grandes impérios políticos, da
antiguidade o Império Romano e da atualidade o os Estados Unidos, denominado
pelo autor como a “Nova Roma”.
Assim sendo, os Estados Unidos, para Richard Horsley, apresentam
como uma nova ordem mundial no qual é o grande “senhor do mundo”, e que
após o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, esta ordem foi colocada
em conflito, inaugurando no mundo, uma sensação de desordem e de insegurança.
Por isso, emerge a questão: “por que eles nos odeiam tanto?” Na mente do
opressor e do oprimido. Nada distante, segundo Horsley, do período de Cristo, pois
a mudança de papéis indica uma grande tentativa de despolitizar Jesus, uma vez
que ele é o grande exemplo e também inspirador de lutas contra o sistema
opressivo (sistema de dominação romana da Palestina) para justamente inibir
outros a se rebelarem (com a morte de muitos judeus). Logo, temos um libertador
que inaugura uma nova ordem social dada na cruz, apresentando um Reino de
restauração de Israel e libertação do povo das forças estrangeiras.
No primeiro capítulo, Imperialismo romano: nova desordem mundial,
nos é apresentado os feitos vitoriosos de Otávio Augusto, que faz Roma
estabelecer uma nova ordem mundial, sendo ela mesma a única potencia
remanescente. Estabelece também a paz e a prosperidade, em que o “devotamento”
ao Imperador cresceu tanto ao ponto de se construir templos dedicados a ele. A
“harmonia” era justamente a relação/integração da religião e economia que no
caso era o culto ao imperador, não necessitando que tropas militares se
mantivessem nos lugares conquistados e sim nas fronteiras para garantir a
proteção. A “riqueza” foi um fator conquistado em cima das terras por dívidas,
culto ao imperador e as grandes migrações do campo para as cidades. A “moeda” carregava
estampa dos grandes feitos e conquistas e também mostrava a subjugação dos
povos conquistas e dominados.
Os romanos eram cruéis, possuíam uma cultura de dominação a partir
da prática do terror sendo tal prática, o “modo de agir próprio de Roma”. Os
que se rebelavam contra, eram crucificados em lugares altos para mostrar à
população a ordem, o respeito e a hegemonia sobre aquele território com o
objetivo de aterrorizar e não aniquilar os povos subjugados. Portanto, Roma
sustentava sua superioridade subjugando os inimigos.
O segundo capítulo, Resistência e revolta na Judéia e na
Galiléia, apresenta os grupos mais resistentes ao domínio romano. Tal
resistência durou aproximadamente dois séculos. A luta pela libertação do povo
judeu vem desde a libertação de Israel da escravidão do Egito. A partir disso
pode-se explicar a resistência do povo frente à opressão romana. Essa tradição
israelita de resistência e de anseio de liberdade marca praticamente a história
de todo o povo. Destes inúmeros movimentos, destaca-se a Revolta dos Macabeus,
que derrota o imperador grego Antíoco Epífanes. Portanto, a resistência estava
de certo modo, enraizada na aliança judaica e por consequência, na cultura do
povo. Dessa forma, o que se evidencia é justamente a fidelidade à aliança para
com Deus e a sua lei conciliando os aspectos religiosos com a política e a
economia, assim como, a ideia de um único soberano e Senhor: Javé!
Muitas foram as ameaças à ordem romana na Palestina, pois diversos
grupos contribuíram para a deterioração desta nova ordem social na Judéia,
tornando-a, de certo modo, ingovernável, conforme a “revolta de 66”. Com a
morte de Herodes, o grande tirano, o povo exigiu de Arquelau muitas coisas,
dentre elas um sumo sacerdote que de fato fosse fiel à Lei e à pureza, pois os
judeus permaneceram fiéis às tradições e a fidelidade a Deus. Outro fator de
destaque, neste capítulo, é o movimento messiânico que possuía dois objetivos:
o primeiro é a libertação do jugo do herodiano e romano, e o segundo retrata o restabelecimento
de uma ordem socioeconômica mais igualitária, que tal movimento se deu na
Galileia nas aldeias em torno de Nazaré, na época de Jesus. Portanto, um fato
fundamental na intensidade e na preservação incomuns da resistência dos judeus
e dos galileus à ordem romana foi a corrente profunda de repulsa à dominação
estrangeira na tradição cultural israelita.
Já no capítulo terceiro, Perspectiva relacional à pessoa de
Jesus¸ o autor vem finalmente situar Jesus neste contexto histórico que
para os pensadores e teólogos iluministas, Jesus recebe o título de “Jesus
histórico”, numa perspectiva despolitizante do individualismo ocidental moderno
e uma separação da religião da vida político-econômica. Considerando não
somente a fala e os atos de Jesus, mas também considerando as circunstâncias
históricas no qual ele estava inserido, bem como outas pessoas e forças
históricas e os problemas que a sociedade estava vivendo diante do imperialismo
romano.
A situação histórica de Jesus na Palestina é de uma divisão de
classes que se dava entre os governantes romanos, herodianos e sacerdotes de um
lado, e do outro, formada pelos camponeses e a população de Jerusalém e de
outras cidades. O povo camponês sempre esteve sob o domínio dos romanos, sendo
explorado, gerando muitas revoltas e para conter esses protestos, os líderes
eram severamente punidos, levando-os aos morticínios, escravidão, etc. Culturalmente
o povo vivia a tradição da aliança mosaica e muitos povos assumiram os
movimentos messiânico e profético. É neste contexto que se insere Jesus Cristo
e os Evangelhos, são sinais da comunicação entre Jesus e àqueles com quem ele
interagia em contexto histórico. Assim sendo, os Evangelhos são também fontes
para uma compreensão relacional-contextual da missão de Jesus.
O quarto capítulo, Julgamento divino da ordem imperial, Jesus
nos apresenta o Reino. Ele proclama a condenação dos governantes devido as
grandes opressões política e econômica sobre o povo. O reino se caracteriza
pela condenação e o anúncio profético de que o domínio romano estava no fim. Na
fonte Q (livros de Quram) Jesus oferece o reino de Deus aos pobres, para quem
ele significa alimento suficiente e remissão das dívidas, num viver fraterno,
mas encontra grande resistência. Em Marcos, por exemplo, a resistência se dá na
pessoa do Sumo-Sacerdote, Escribas e Anciãos. Isso tudo porque o Reino de Deus
vai contra todo sistema romano vigente. Jesus condena todo esse sistema de
opressão sobre “os pequeninos” (Cf. Lc 10,21) e se declara como “autobasileia”
(Orígenes). Logo, todo este movimento contra o império prefigura claramente a
posição de Jesus na defesa do povo.
Horsley apresenta-nos, no final deste capítulo, a condenação
profética de Jesus realizada em relação ao domínio imperial romano, diante dos
pagamentos de impostos a César, e os demônios que Jesus expulsava. Percebemos,
portanto, que Jesus está inserido na comunidade que se alimentou das tradições
israelitas, do movimento mosaico, e se colocou contra as opressões e posições
de dominação imperial romana, denunciando tal sistema. Logo, temos Jesus judeu
dos costumes tradicionais e Filho do Homem do movimento messiânico.
No quinto capítulo, Comunidade e cooperação segundo a aliança,
Jesus é apresentado como aquele que estabeleceu a renovação divina do povo. Na
missão de Jesus, uma ordem social, portanto, é vislumbrada contra a injustiça e
opressão do gênero humano. A Pax Romana demonstrou-se como uma
verdadeira desordem mundial, enquanto o projeto do Reino se apresenta
como nova ordem mundial. Jesus resgata a cura do corpo social diferente
do Império que massacra, escraviza e destrói.
Com as bem-aventuranças Jesus, difunde a esperança. Com isso, as
comunidades se renovam no mesmo sentimento de libertação dada por Deus em
Êxodo, confirmada em Jesus uma nova e eterna aliança de DEUS para com seu povo
no seu FILHO. E a nova ordem mundial se apresenta com o tema da
misericórdia, perdão, amor que fazem brotar a acolhida, renovação da aliança
dos pobres, oprimidos e sofredores de seu tempo. Portanto, a alteridade de
Jesus é difundida pela esperança, trazendo a vitalidade para o povo para que
todos pudessem lutar por seus direitos.
Por fim, o epílogo império cristão e império americano, nos
é apresentado um paradigma entre os dois grandes impérios. No cristão, Richard
Horsley faz uma comparação entre “os dois Jesus” que profetizaram a destruição
de Jerusalém. Ambos punidos, assim como todos aqueles que se colocavam contra o
império. Morte por ser Rei dos Judeus, conforme transcrito em sua cruz. Cruz
que virou trono e início do novo Reino de Paz. O império americano, temos uma
“nova Israel”, povo eleito, mas agora sem a presciência de Deus, que desde a
sua formação se apresenta como império e não apenas como república possuindo o
mundo em suas mãos estabelecendo uma nova desordem mundial, conforme
apresenta o autor, sobre a economia e o desenvolvimento dos países do mundo. Para
nós cristãos a desordem mundial instalada pela junção político-econômica se
difere do anúncio e das condenações de Cristo transcritos pelos evangelistas.
Portanto, Richard Horsley nos apresenta uma análise do
movimento iniciado por Jesus à luz dos fatos
sociais da época. Ele mostra como Jesus se opôs ao opressor Império Romano. Os primeiros
cristãos tinham total ciência de que ao aceitar o senhorio de Cristo eles
estavam se posicionando contra o poder da época, pois o Estado reivindicava
total servidão de seus cidadãos na adoração de seus deuses e de seu imperador. O
que mais aprendemos ao ler a obra de Horsley são as dimensões de reivindicações
cristãs em meio à desordem mundial presentes antes, durante e depois de Jesus
Cristo até os dias de hoje, em que existe opressão, desigualdade social e pobre
nas ruas sem casa e empregos dignos. Diferente do império romano, hoje o
império é o capitalismo que mata de fome e violência, prejudica a saúde nos
nossos hospitais e o bem-estar dos homens e mulheres, negros e negras,
indígenas, gays, lésbicas e transexuais de nosso tempo.
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