RESENHA: Rumo a uma teologia da liturgia

O artigo extraído do livro Introdução à teologia litúrgica de Juan Flores trata de um panorama histórico-teológico da compreensão da liturgia no decorrer dos períodos: antiguidade (primeiras comunidades), Roma clássica (a Igreja, como religião oficial do império, saída dos túmulos para as basílicas), Idade Média (rubríssimo, ritualismo presentes na dimensão jurídica do culto) e Idade Moderna (com o afloramento do devocionários a Virgem Maria, períodos das refutações teológicas e os desdobramentos do Concílio de Trento), tudo apresentado pelo viés espiritual-histórico-teológico.
Na introdução do capítulo, Juan Flores, apresenta um sentido
técnico, embora culto de que existe um esforço no decorrer da história das
gerações cristãs de refletirem sobre a experiência do culto e captar a relação
que aconteceu entre teologia e as celebrações.
Na antiguidade cristã, a espiritualidade cultual, segundo o pensamento de Marsili,
citado pelo autor, dá-se em três perspectivas: primeiro, o ritualismo cultual
no encontro com a teologia e a liturgia; depois, espiritualismo cultural, sendo
o culto o centro do espírito e verdade, e por fim; teologia cultual, em que o
mistério invade toda a vida cristã. Trata-se, pois, de uma Igreja Apostólica,
em que as formas cultuais não foram praticadas por Jesus, mas que o centro do
culto é Jesus Cristo, depois de sua morte e ressurreição, que aparece como: sacrifício,
templo, altar, Páscoa, num convite aos cristãos de se
entregarem como vítimas pela fé, serem templos do Espírito, tornarem-se exemplo
de Cristo, ressurgirem para uma vida nova ligada então a um sacerdócio comum.
Portanto, o sacrifício de Cristo configura plenamente o mistério pascal e o
sacrifício dos cristãos, a geração de vida, obras e prefiguração da nova
criação dada por Jesus.
Na liturgia romana clássica, temos o movimento de
perseguidos para aliados ao império. O culto espiritual que celebra o
invisível, sob sinais visíveis, passa a ganhar novo corpo e sentido. Agora não
mais sobre os túmulos e sim nas grandes basílicas, após a conversão de
Constantino. A Vigília Pascal passou por transformações, sendo feitas 12 (doze)
orações romanas, compostas para a liturgia da palavra, conservadas da tradição
gelasiana. Alceste Catella vem nos dizer que a liturgia nesse período
histórico parece reduzir-se a três perspectivas: Histórica (a intrínseca
conexão da liturgia com a história da salvação); comunitária (no sentido de
que, onde se ritualiza a aliança, o sujeito é o povo), e; mistérica
(designando, assim a modalidade de realização do acontecimento salvífico na
celebração). Assim também, começa-se a transformar as celebrações em
celebrações de caráter jurídico com as rubricas que irão ganhar maior evidencia
na Idade Média.
No período da Idade Média, as rubricas e as relíquias vão adentrando
na liturgia. Os altares agora passam a ter relíquias dos santos e a liturgia
torna-se cada vez mais hierárquica e se executa em nome da Igreja Universal na
delegação de pessoas do alto clero. O clero faz a liturgia e o povo apenas os
assiste, assim emerge a clericalização da liturgia com regates das vestimentas,
enquanto o povo busca nas devoções a alternativa de uma liturgia que não
compreende e da qual não participa, tornando-se, conforme o autor, em uma liturgia
do espetáculo. Lembrando que estamos trabalhando com a língua Latina e que
muitas pessoas simples não sabiam falar. Cristo é o objeto da devoção do povo,
assim como os patronos, ou seja, os santos que assumem caraterísticas e a
particularidade de curar milagres específicos.
Por fim, a época moderna é o momento histórico em que a Igreja
passou por iluminações exteriores com maior influência advinda da Reforma
Protestante, pois a liturgia e as devoções perderam o sentido devido às
influências do materialismo cultual; a intelectualidade substituiu a teologia
com a negação do teocentrismo, e; a exigência não corresponde ao retorno de uma
vida espiritual, pois o subjetivismo toma espaço, deixando de lado a imitação
de Cristo. Isso apresentou uma “ressurreição antilitúrgica” no vazio deixado
pelas teses de Lutero na porta da igreja da Alemanha, e se instaura o Concílio
de Trento, em que a Igreja viu por necessidade, não só se defender
apologeticamente, mas propor um retorno às fontes bíblicas, sacramentais,
litúrgicas e devocionais para “sobreviver” à sua época.
Portanto, ainda não se tem neste período uma teologia litúrgica,
mas começam a ser elaboradas argumentações e elementos históricos que, com o
movimento litúrgico, antes do Concilio Vaticano II, tomarão como fonte para que
aconteça a reforma na Liturgia e a identificação de seu Locus Theologicus
presente na história.